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Os Desafios do Ensino de Direito

terça-feira, 7 de agosto de 2012


Fonte: Folhadirigida.com.br
Por Michelle Bento

Atualmente, os cursos de Direito concentram o segundo maior número de matrículas no ensino superior. São cerca de 650 mil alunos em todo o Brasil e a estimativa é de que sejam formados, por ano, 100 mil bacharéis em Direito. No entanto, esta expansão rápida é vista, por educadores, como uma das causas da má qualidade do ensino na maior parte dos cursos. O modelo vigente privilegia uma preparação técnica, voltada para concursos públicos e a aprovação no Exame de Ordem da OAB.

Esta característica tem gerado repercussão entre especialistas da área, que acreditam que a falta de uma formação reflexiva impeça que os novos profissionais travem contato com desafios da sociedade.Entre os principais problemas do ensino jurídico está a falta de profissionalização da carreira docente. No geral, os professores dos cursos de Direito acumulam outras funções além da docência, o que causa uma limitação quanto à dedicação exclusiva, pouco comum nos cursos, em especial, nos do setor privado. Para o presidente da Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDi), Evandro Carvalho, a ausência de disponibilidade dos professores da área para acompanhar o desenvolvimento dos alunos tem recaído, inclusive, na pesquisa, cada vez mais desvalorizada devido esse aspecto.

"Ser professor do ensino superior exige muito mais que simplesmente cumprir o horário em sala de aula. O professor precisa viver a dinâmica da universidade e responder às suas demandas. A docência carece também de profissionalização. O trabalho de pesquisa, que reflete diretamente no ensino e na prática jurídica, está cada vez mais desvalorizado. As nossas pesquisas em Direito estão desconectadas da realidade do mundo jurídico, do Brasil e do próprio ensino jurídico. Isso tem a ver também com a questão da identidade do professor, que muitas vezes se vê antes como um profissional de outras áreas do que propriamente um professor universitário", criticou.

Segundo Evandro, esta prática do multiprofissionalismo jurídico tem prejudicado, inclusive, os recém bacharéis, que encontram dificuldades no mercado de trabalho, principalmente no meio acadêmico. "O Brasil aceita que um magistrado, procurador ou promotor que recebe pelo Estado para trabalhar neste ofício, trabalhe também 40 horas em uma universidade federal. Ou seja, o Estado remunera duas vezes esse profissional. Este modelo impede postos de trabalho de bacharéis, mestrandos e doutorandos que podem querer seguir a carreira acadêmica. Se 1% dos 100 mil formados por ano quiser entrar nessa realidade do ensino e da pesquisa conectados com a prática jurídica, não vão encontrar trabalho", comentou.

Para o diretor da ABEDi, Alexandre Veroneni, esta falta de comprometimento dos professores com as instituições de ensino e a desassistência aos alunos reflete também nos baixos índices de aprovação no Exame de Ordem (OAB), cuja aprovação é um desafio para os estudantes de Direito. Além do problema da docência, ele apontou a falta de pluralidade dos instrumentos de avaliação dos cursos e do conhecimento dos estudantes. "Precisamos relacionar uma maior busca pela titulação por parte dos professores com o crescimento da qualidade e dar fim ao papel do professor horista, que se restringe à sala de aula. Outro fator são os rankings. Hoje só temos o Exame de Ordem e o Enade, que não dão conta de detectar as diversidades que compõem o curso de Direito. Isto faz com que as universidades sigam todas um mesmo padrão para aprovar unicamente nestes exames, ignorando que se a universidade não obteve um bom resultado nestes indicadores, não quer dizer que ela não seja boa ou que não tenha qualidade. A profissão jurídica não é só a OAB, há outras áreas", afirmou.

Na última edição, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou apenas 25% do total de participantes. E os índices mostram que a situação é ainda pior no ensino particular. Em um levantamento feito recentemente sobre as universidades que mais se destacaram no exame, em âmbito nacional, todas as 20 melhores eram públicas. No Rio, apesar do resultado de aprovação seguir a mesma linha, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi a única particular a conquistar um lugar no ranking das 20 melhores. Ela não só ficou entra as primeiras instituições, com 74,36% de aprovados, como liderou a lista, ficando à frente de instituições tradicionais como a Uerj, UniRio, UFRJ e UFF.


Dificuldades para suprir carências da educação básica

Outro aspecto que tem colaborado para a precariedade do ensino de Direito no Brasil é a falta de bagagem com a qual os estudantes deixam o ensino básico. Como as condições oferecidas nas escolas de ensino fundamental e médio são restritas, principalmente no ensino público no qual há falta de professores e de infraestrutura, os jovens entram na universidade com uma forte carência nas ciências de base. As universidades se veem, então, desafiadas a suprir a ausência destes conteúdos, o que muitas vezes não é possível, já que as mesmas possuem um currículo a ser cumprido em função de exames como o Enade e o Exame de Ordem.

De acordo com Frederico de Almeida, professor da FGV, as universidades ainda têm feito muito pouco para nivelar os alunos. "A formação básica que o aluno traz quando entra na universidade é muito importante. Mesmo que o curso de Direito não use a Matemática aplicada, por exemplo, o raciocínio lógico que ela fornece é essencial. Uma coisa que pode ser feita pelas instituições e que devem fazer, inclusive, porque é avaliada pelo MEC, é de investir  em estratégias de nivelamento, ou seja, o quanto a instituição faz para suprir a carência que o aluno trouxe", enfatizou.


Carreira jurídica em segundo plano

Para Solange de Moura, diretora nacional do Centro de Ciências Jurídicas da Estácio de Sá, é necessário ainda trabalhar a questão da vocação jurídica entre os alunos. Segundo ela, grande parte dos estudantes que procuram pelos cursos de Direito o fazem com a intenção de prestar provas em concursos públicos. Ao longo do curso, alguns acabam tendo contato com outras opções, mas a grande massa desconhece as alternativas de trabalho, o que os fazem assumir cargos muitas vezes incompatíveis com seu perfil profissional.

"Temos ainda um grande desafio em relação ao trabalho. A maioria não tem o objetivo de se tornar um profissional do Direito. O interesse maior é somente pelos cargos públicos e em qualquer função. Não há um estudo prévio das carreiras possíveis e nem mesmo os concursos analisam se aquele aprovado é apto para executar determinada função.

Este grupo quer apenas integrar a elite dos quadros públicos. Mas acontece que não há cargo público para todos. Por isso, é tão importante despertar nestes jovens o gosto pela vocação, para que os bacharéis possam assumir seus postos no mercado de trabalho por amor e não em função de um cargo público", destacou.

Ela também salientou que a melhor saída para a decadência da qualidade do ensino jurídico seria investir mais no setor de pesquisa, mostrando aos jovens que este também pode ser um mercado atrativo. "Faltam docentes titulados e capacitados. Exemplo disso é que existem regiões no país que não têm se quer um curso de doutorado ou mestrado. Precisamos acelerar a formação de docentes, para que possam se dedicar exclusivamente à docência, para que, desta maneira, possamos formar melhor".


Estudantes apontam caminhos para melhorar a formação

A identificação dos estudantes com a universidade é um dos pontos cruciais para o processo de aprendizagem. No ensino de Direito ele é ainda mais significativo, pois o curso, assim como outros que têm raízes na área de Humanas, é fundamentado no debate.

Para a aluna de Direito do 9º período Marília Monteiro, a interdisciplinaridade foi o que em sua análise mais importou até o momento em que está na sua formação. Desde o primeiro semestre, a jovem faz matérias de outras grades, o que fez com que ela desenvolvesse uma visão ampla sobre variados temas. "É importante ter uma visão global da profissão, pois isso nos dá outras perspectivas sobre temas que vão além do Direito. Muitas vezes os cursos de Direito erram ao não incentivar a  comunicação com outras Ciências Humanas", explicou.

Já a estudante Giovanna Carloni, do 6º período, considera que o diálogo nas aulas é o fator decisivo para uma boa formação. Ela acredita que isso facilita o desenvolvimento da argumentação. "Não adianta formar um advogado que não sabe refletir sobre os diferentes pontos da profissão, independente da área em que ele vai atuar. É desta maneira que perdemos o medo de nos direcionar a outras pessoas, inclusive autoridades", ressaltou.

Há também quem ache que a prática é uma das fases mais importantes do curso. Walter Britto, aluno do 4º período, concilia as aulas com o estágio no Centro de Tecnologia e Sociedade da instituição em que estuda e já consegue enxergar os frutos dessa experiência. "Isso me faz ter contato com tudo o que acontece no mundo e que ao mesmo tempo tem relação com o Direito. São questões que possuem ligação direta com a profissão que um dia vou exercer. Por meio desse espaço pude ver como a tecnologia aplicada ao ensino facilita o aprendizado e ajuda a criar uma comunidade acadêmica interativa", destacou.

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